A Morte Devagar
Apesar de não concordar integralmente com todo o conteúdo desse
texto, não posso deixar de reconhecer as verdades contidas nele. Como nos
ensinou o apóstolo Paulo, “Examinai tudo.
Retende o bem.” (I Ts 5:21)
Morre lentamente quem não
troca de ideias, não troca de discurso, evita as próprias contradições.
Morre lentamente quem vira
escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras
no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não
dá papo para quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da
televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro
ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de
um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria,
mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.
Morre lentamente quem evita
uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de
emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e
soluços, coração aos tropeços, sentimentos.
Morre lentamente quem não
vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo
incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos
conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não
viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo.
Morre lentamente quem destrói
seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda
profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem não
trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim,
destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da
população.
Morre lentamente quem passa
os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um
projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e
não respondendo quando lhe indagam o que sabe.
Morre muita gente lentamente,
e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de
verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo
restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não
podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves
prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que
simplesmente respirar.
Sobre o autor: Martha Medeiros nasceu no dia 20 de agosto de 1961. Colunista do jornal “Zero Hora” de Porto Alegre, e “O Globo” do Rio de Janeiro. Desistiu da carreira de Publicitária para ingressar no mundo da literatura, como escritora, jornalista e poeta.
Um abraço a todos.
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